Reurbanização do Vale do Anhangabaú
Arq. Eduardo Corona
Arq. Jon Adoni Maitrejean
Arq. Fernando Chacel
Arq. Carlos Maximiliano Fayet
Arq. Edgar Graeff
O Concurso Nacional de Reurbanização do Vale do Anhangabaú apresenta-se com dois propósitos fundamentais:
1- Propor uma disciplina de intervenções que se antecipe à dinâmica da própria cidade em relação a essa área.
2- Reverter as tendências inequívocas de deterioração de amplos setores da área central.
Estes dois objetivos devem confluir para a valorização e preservação do acervo material e espiritual que encontra suporte histórico nessa área.
A solução, portanto, deverá estabelecer com clareza uma nova disciplina da circulação no Centro, aliada a uma nova ocupação do solo.
Com efeito, as intervenções no Centro nestes últimos 40 anos caracterizaram-se pelas intervenções municipais na rede viária: abertura das avenidas 9 de Julho, 23 de Maio, Nova Anhangabaú e Tiradentes, estabelecendo o eixo viário de ligação norte-sul, e alargando vias para constituir o primeiro "anel de irradiação" (atual Rótula).
Paralelamente, a massa edificada realizou-se em grande parte com as mesmas diretrizes de parcelamento do solo herdado da pequena cidade oiocentista. Somente para acentuar esse contraste, assinalamos a Escola Normal Modelo, o Teatro Municipal (de iniciativa oficial) e a Escola de Comércio Alváres Penteado (de iniciativa particular), todas edificações contemporâneas da cidade de 200.000 habitantes, procuraram os espaços abertos que a trama urbana continha, ou induziram a essa abertura. A Biblioteca Municipal, construída na década de 40, não fugiu a essa regra.
Daí para frente generalizou-se o costume de ocupar abusivamente os espaços públicos para instalação de serviços urbanos - como na Praça da Sé, Praça das Bandeiras, Largo São Francisco, Praça Roosevelt - invadindo mesmo o espaço com passarelas e "Elevados", em intervenções setoriais, que eventualmente resolveram situações de emergência, mas que não impediram como um todo o lento deperecimento das áreas servidas por essas melhorias.
Assim, quando surgiu a primeira lei estabelecendo índices de ocupação (Lei 5261), e, portanto, relacionando a construção com o uso e a densidade da população, em 1957, a cidade já havia encontrado em outros locais (av. Paulista) áreas mais adequadas para seu reequipamento, com vistas a suportar os serviços de uma cidade sessenta vezes maior.
Entretanto, há uma vontade que se manifesta na restauração e revitalização de edifícios e obras de arte ou logradouros, na ampliação de ruas exclusivas de pedestres, no cruzamento do metrô nesse Centro, para preservar um patrimônio reconhecido por todos como superior a seu valor puramente comercial. O plano de reurbanização do Anhangabaú pode indicar os caminhos para o projeto de uma nova cidade.
Reunidas então as propostas já realizadas, e aquelas encaminhadas por vários órgãos públicos e fornecidas neste concurso, a situação presente sugere sua solução com os poderes que o poder público detêm, estabelecendo iniciativas que determinam o remanejamento da estrutura fundiária e seu uso, bem como do sistema de transportes que irá alimentá-la.
Assim, definem-se os limites da área de intervenção, como sendo as áreas lindeiras ao Anhangabaú e compreendidas entre os ramos norte e sul da Rótula. Nessa área definem-se novos índices de ocupação, com abertura de espaços públicos compatíveis com a população prevista por esses novos índices e a nova estrutura viária. Esta deverá ter capacidade para absorver disciplinadamente tanto o trânsito expresso de ligação norte-sul, quanto o do transporte de massa com a articulação geral de todas as linhas diametrais de tróleibus previstas no plano fornecido pelo concurso. Isto se fará em conexão com o Metrô, bem como o trânsito local individual, que irá irrigar toda a área.
O Vale do Anhangabaú passará, assim, a se constituir num elemento estrutural da Rótula.
Com ligações convenientemente executadas, interligam-se através da Rótula e Anhangabaú tanto o trânsito local, individual, quanto a estação central das linhas diametrais, absorvendo e tornando mais fluente o eixo norte-sul, constituído pelas avenidas Tiradentes, Prestes Maia, Anhangabaú, 9 de Julho e 23 de Maio.
Assim, através do prolongamento da atual Rua Genebra e Rua Santo Antônio estabelecemos as ligações da Rótula, na altura da Rua Maria Paula, com o Vale, sendo a ligação norte feita com a Avenida Senador Queiroz.
Entretanto, para que o sistema viário possa conviver com o pedestre, impõe-se que o trânsito mecanizado seja afastado para as laterais do Vale do Anhangabaú, recuperando-se o cerne da área para o usufruto dos habitantes em suas manifestações cotidianas e especiais.
O tráfego lateral desenvolve-se em dois níveis: ao nível +730 m correm os tróleibus com seus pontos de embarque e desembarque, equipados com serviços urbanos essenciais, bem como locais de comércio e administração. O número total de paradas simultâneas é estimado em 59, o que garante um atendimento de mais de 300.000 passageiros por hora.
Ao nível +738 m, (que corresponde ao atual nível da Rua Formosa sob o Viaduto do Chá), desenvolvem-se as pistas que ligam a rótula com o eixo norte-sul, e onde se desloca o trânsito local.
Finalmente, através de um viaduto, liga-se diretamente a Avenida Nove de Julho com a Avenida 23 de Maio. O sistema de pistas elevadas e semi-enterradas, desenvolve-se da Estação de Metrô do Anhangabaú, até a Estação São Bento. Daí, após o Viaduto Santa Ifigênia, retornam à superfície e se desenvolvem ou sob a Avenida Senador Queiroz ou ligando-se a ela.
A cota +734,5 - todo o centro do Anhangabaú - passa a ser de domínio dos pedestres, onde tanto podem se dirigir para a Estação Central, quanto através de passarelas sob as pistas elevadas ganhar as margens. Liga-se também naturalmente o Vale com o anfiteatro onde se localiza a Câmara dos Vereadores.
As áreas de intervenção anteriormente delimitadas, num total de 80 hectares, sofrerão um remanejamento dos lotes de sorte a reagrupá-los e permitir o estabelecimento do coeficiente de aproveitamento igual a quinze vezes a superfície dos novos lotes, com a taxa de ocupação de 0,30 acima do nível +9m do rez do chão e com 40% da área reservada para habitação, sendo o restante dedicado a usos diversificados. Esse índice torna possível trazer novamente para o centro áreas de habitação, evitando as horas mortas do equipamento urbano como acontece com as áreas exclusivamente comerciais dos grandes centros urbanos.
Serão, em cada caso, incorporados na massa construída de maneira inclusive a reabilitá-los, os edifícios de valor histórico e artístico reconhecidos, quer pelos poderes federal, estadual e municipal, bem como edifícios ainda não relacionados, mas que pelo trabalho de estudiosos venham a ser identificados.
Estabeleceu-se também como área prioritária de intervenção nas áreas lindeiras, o setor B, sendo os setores C deixados para a segunda etapa.
Este setor B, composto das quadras limitadas pela Rua Formosa, Conselheiro Crispiniano, Rua Sete de Abril, Praça do Correio, Av. São João e Rua José Bonifácio do outro, totalizam 400.000 m2 de áreas comerciais e cerca de 1.000.000 m2 de áreas de escritórios e habitação.
Se este empreendimento, que justifica o remanejamento do vale, for a ele associado, os recursos para o plano não serão captados indiscriminadamente através dos instrumentos tradicionais. Propõe-se uma empresa de economia mista, com todo a área de intervenção declarada de utilidade pública, e com o exclusivo privilégio de remanejá-la, com os índices anteriormente descritos. Os proprietários dos lotes individuais poderão incorporar seus edifícios ao capital da empresa ao preço atual de mercado ou serão reembolsados na mesma proporção. Poderão associar-se também nesse empreendimento empresários particulares.
Nas áreas C, além dos usos já previstos deverá ser estudado o retorno de Serviços Públicos e a constituição de suporte da Universidade Municipal, cujos institutos de pesquisa existentes já caracterizaram seu embrião (Biblioteca Municipal, Arquivo Municipal).
Orientado pelo interesse da sociedade, materializado nos espaços públicos conquistados e na articulação do sistema de transportes, o plano proposto, ao ser executado, trará um acúmulo de experiências, necessárias para a reurbanização de São Paulo, tornando a vida de seus habitantes menos penosa e onde seus conflitos possam manifestar-se em formas superiores de nossa civilização.