Porto Olímpíco
Gisele Raymundo
Miriam d Ávila Cavalcanti
Washington Fajardo
Augusto Ivan de Freitas Pinheiro
Ivan Mizoguchi
Alder Catunda
Marcio Tomassini
Ricardo Villar
Sérgio Ferraz Magalhães
“Habitar é colateral ao trabalho. Colateralidade é, porém, diferente de justaposição. Colateralidade significa, para nós, rapidez e facilidade de acesso. Decorre de um planejamento orgânico e não de uma ambição especulativa (...) Todos sentimos que a horizontalidade gigante e a verticalidade tímida agravaram os problemas urbanos da habitação, pela predominância do interesse individual sobre o bem comum.”
Sergio Bernardes, “Rio: admirável mundo novo”, 1965
INTRODUÇÃO: DUAS ESCALAS DISTINTAS
O desafio lançado pelo concurso é que se encontre solução urbanística adequada a um programa de caráter internacional, como talvez se imagine, mas o que está concomitante e verdadeiramente em jogo é a própria estruturação da vida urbana após o evento, privilegiando a população da cidade. São dois problemas distintos, e de escala diferentes, que se entrosam.
O problema consiste então em encontrar a fórmula que permita conciliar a urbanização na escala que se impõe, com a salvaguarda das peculiaridades da cidade e da paisagem que importa preservar.
A ideia precípua deste projeto é proporcionar à cidade do Rio de Janeiro, sobretudo no local onde se implantará o “Porto Olímpico”, um espaço generoso e aberto à urbe, facilmente usufruído, articulado tanto com a nova infraestrutura urbana como com os elementos urbanos pré-existentes.
Não fazer objetos autônomos, por mais cômoda que seja esta atitude, mas pensá-los como elementos de uma nova experiência urbana que pressupõe o diálogo e a convivência. O projeto deverá ser uma referência para recuperação da região ao extra-polar o limite do lote ou quadra, por não se coadunar somente com a lógica de mercado de conformação da cidade.
Propõe-se projetar o conjunto sem fragmentar o tecido urbano. Concorre com uma ideia que a arquitetura não subtrai, separa ou resguarda, mas adiciona, agrega e regenera o espaço da exis¬tência coletiva e da urbanidade.
CIDADE E PROGRAMA: ARQUIPÉLAGO DE ACONTECIMENTOS
Cabe ao complexo de edifícios propostos acompanhar não apenas as grandes transformações sociais e culturais, mas gerar novos modelos de urbanidade a serem reproduzidos e recriados, estabelecendo continuamente a articulação entre a dimensão arquitetônica e o papel social e urbano do patrimônio edificado.
O que se propõe, portanto, não são edifícios isolados ou auto-suficientes, mas um conjunto edificado, uma trama que seja capaz de urdir a urbanidade.
O programa não está organizado em blocos autônomos, mas deverá permitir uma rápida apreensão do conjunto por parte do usuário que poderá construir livremente os percursos entre os diferentes espaços e atividades à maneira do comportamento do pedestre nas ruas e praças da cidade.
O projeto não considera os lotes oferecidos dissociados, nem a distribuição sugerida de programa partida, mas uma área única e inteira, entremeada pelo Canal do Mangue - um remanescente do mar primitivo e ulterior à ocupação urbana atual. Os acontecimentos deverão ser homogêneos em ambos os lados: habitação e serviços em toda superfície, como um conjunto íntegro, como uma cidade desejada.
A aparente complexidade do programa se desfaz quando este é organizado pelo espaço e pela construção, pela arquitetura.
ARTICULAÇÃO: GRANDE GENEROSIDADE URBANA
O TÉRREO ESPESSO DA CIDADE
Articulado aos edifícios residenciais haverá um sistema térreo autônomo de lojas e toda sorte de utilidades, com passeio coberto e seguimento contínuo, como nas ruas tradicionais, mas quebrado por sucessivas mudanças de rumo, criando-se assim pátios, praças, pontos de encontro e áreas de recreio para crianças com o objetivo de propiciar a confluência em vez da dispersão.
Imagina-se esse espaço de transição como um cortile contemporâneo, sem colunatas, pilotis ainda mais livre que o moderno, da mesma altura que o do Ministério da Educação e Saúde de Lúcio Costa e equipe. A diversidade programática é um de seus atributos qualificadores, para que o uso residencial desempenhe papel relevante.
Essa estrutura de articulação urbana é o elemento que incorpora as diferentes funções do programa: centro de convenções e exposições, centro empresarial, lojas e serviços e os hotéis.
É o elemento estruturador de todo o complexo. Apesar de suas proporções, trata-se de um edifício discreto do ponto de vista da expressão arquitetônica: duas estruturas paralelas de aço longitudinais com envoltórias constituídas pelas varandas de circulação e os planos de sombreamento, além de uma cobertu¬ra verde que pode ser utilizada como praça.
As estruturas serão envolvidas por um elemento vazado que adoça a rigidez da estrutura metálica. Sua permeabilidade à luz natural e a forma com que filtrará a luz artificial que transborda para o espaço externo, aliado ao efeito uniformizador de um único elemento de fechamento conferem à estrutura, apesar de sua extensão, um caráter evanescente.
Os blocos de apoio abrigam a circulação vertical e os sanitários. Sua distribuição espaçada permite conformar um espaço generoso, com o número reduzido de apoios, onde a vida pode fluir de forma desembaraçada.
Este edifício híbrido - não protagonista - enfatiza o destaque para vida cotidiana além de evitar as soluções autônomas. Se a cidade é marcada comumente pelos edifícios extraordinários se destacando em meio à massa de edifícios habitacionais e ordinários, aqui a proposta está no contrapelo desta ideia, como uma cidade invertida.
Trata-se de um elemento que marca a paisagem urbana, organiza o território, confere caráter ao conjunto, mas que se desfaz pela serenidade que marca sua existência.
TORRES HABITACIONAIS :
UNIDADES DE VIZINHANÇA SOBREPOSTAS
Simbolicamente o elemento que se destaca no conjunto são as torres habitacionais. O fato de a maior porção da área permitir gabaritos de 120 e 150 metros possibilita vislumbrar uma ocupação concisa: 9.828 unidades de dormitórios em nove torres a serem agregadas às outras 965 do hotel 3 estrelas, do apart-hotel e do hotel temporário. Esta ocupação concentrada e não extensiva, além de oferecer maior porosidade urbana e desfrute da magnífica paisagem – imediata e remota – permite a circulação de ar e aproveitamento máximo das condições climáticas favoráveis.
A estrutura do edifício é extremamente simples e geométrica, definida pelas paredes estruturais que conformam os módulos espaciais das unidades habitacionais. As unidades e a diversidade tipológica são constituídas pela associação destes módulos.
Esta organização rigorosa permite a adoção de processos industrializados como sistema de forma túnel que possibilita uma concretagem integral do módulo espacial (paredes e lajes) reduzindo significamente o tempo de execução, além de representar uma economia pela escala da obra.
A estrutura é encerrada por caixilhos em ambas as faces conformando uma fachada externa – marcada pelos quebra-sóis que resguardam as unidades - e uma fachada interna em vidro serigrafado branco que se volta para o espaço vazio interno, animado pela luz que extravasa das unidades à noite e pelas varandas circulares de circulação horizontal.
A cada seis pavimentos as praças intermediárias representam a continuidade espacial no sentido vertical pela multiplicação do chão da cidade. Poderão conter as amenidades e demais facilidades requeridas pela vida doméstica. Além disto, conformam uma escala de vizinhança (66 unidades habitacionais) distinta da escala urbana do assoalho urbano que permite encontro e reunião entre os moradores. São unidades de vizinhança com a escala típica dos edifícios do Parque Guinle e das superquadras de Brasília.
Trata-se de uma construção austera, marcada pelas sucessivas ações construtivas que se adicionam e permitem uma execução ágil, e que conferem no final um caráter único e expressivo aos edifícios.
PORVIR: UMA SUGESTÃO PARA O ENTORNO
O RIO DE JANEIRO COMO SIGNO
Providência importante do ponto de vista paisagístico para que a avenida Francisco Bicalho assuma novo papel de significativa porta de acesso ao Rio de Janeiro é o planejamento dos ambientes urbanos vizinhos aos terrenos objeto do concurso, incluindo a ambientação da própria avenida.
Em meio a uma estruturação fundiária indefinida e de usos mistos da vizinhança, a implantação do complexo representa uma oportunidade para organização e hierarquização do território urbano.
Vislumbra-se a possibilidade de uma relação mais franca com a Quinta da Boa Vista e Cidade do Samba por meio de um novo eixo viário a ser agregado ao traçado original do Porto Maravilha.
A remoção do viaduto deve ser considerada: não existe justificativa para manutenção da via elevada sobre o cruzamento com o Canal e a subsequente necessidade da construção de alças de acesso que comprometem a possibilidade de conformação de um novo recinto urbano. A retomada desta via elevada deveria ser realizada mais adiante valorizando realmente este espaço e mitigando os danos ambientais decorrentes.
Um novo traçado viário proposto ao nível da cidade absorve o trânsito local e resolve sua distribuição sem o esforço de via¬dutos, promovendo uma espécie de revascularização do tecido envelhecido. Possibilita um novo desenho na embocadura do ca¬nal, conformando uma praça que se relaciona mais francamente com a água para inaugurar os termos de uma integração futura entre a cidade e o mar. Esta relação será sublinhada ainda pela introdução da água como elemento do paisagismo do complexo.
A área entre o terreno Leste e o Canal deverá ser reservada para implantação de equipamentos esportivos, socioculturais e área verde, tendo seu potencial construtivo transferido para áreas lindeiras ou outros setores da operação urbana. O VLT passará na rua Gen. Luis Mendes de Morais incrementando a relação entre o conjunto e estes equipamentos.
O projeto não se abstém de opinar sobre o entorno imediato, mas admite sua construção independente destas mudanças. Assim, como verso e anverso de uma mesma cidade – um verdadeiro “gerador” urbano – são equivalentes para inaugurar os termos de uma integração futura entre complexo e território. Quando isso for possível, terá cumprido seu papel de interventor urbano daquela área, seja por sua volumetria, sua proposta ética e estética e pela preocupação prévia atribuída à edificação no estabelecimento de um diálogo com o entorno.
ASPECTOS CONSTRUTIVOS: CONSTRUÇÃO EM ETAPAS
A implantação das torres que orbitam a estrutura longitudinal de forma independente permite vislumbrar uma construção em diversas frentes e várias etapas que serão estratégicas pela dimensão do conjunto e possibilitarão uma ocupação sucessiva dos edifícios.
O estacionamento estará integralmente em subsolo. Apesar de representar um custo mais elevado, se justifica tecnicamente pela escala da obra e pelo fato de liberar os espaços ao rés do chão e permitir a criação de uma sucessão de espaços abertos e sombreados contínuos que conferem uma continuidade do tecido urbano.
Sendo as moradias, comércio e serviços previstos no Porto Olímpico os pioneiros na renovação da região, esses novos espaços públicos permitidos com a solução de subsolo constituem elemento polarizador das atenções da comunidade, favorecendo a convivência e interação social e marcando o conjunto urbano.
ECO-EFICIÊNCIA: ALTA QUALIDADE AMBIENTAL
Finalmente o projeto incorpora os conceitos mais amplos de eficiência e correção que possam reduzir ou eliminar significativamente os impactos negativos dos edifícios em seus ocupantes e no meio ambiente, em cinco grandes áreas: 1)Planejamento sus-tentável do site; 2) Proteção e uso eficiente da água; 3) Eficiência energética e energia renovável; 4) Conservação de materiais e recursos; 5) Qualidade do ambiente interno.
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Construir este conjunto é, no nosso entendimento, construir uma parte da cidade, uma cidade para todos. É compreender esta nova experiência urbana constituída de elementos articulados – algo mais forte que apenas objetos isolados ocupando um mesmo espaço – uma ação fundamental para a edificação da sociedade e de sua cultura como um fazer coletivo.